A barreira hematoencefálica, órgão reverenciado por uns e
evitado por outros médicos, agora passa a ser alvo de estudos, a fim de revolucionar
o tratamento de doenças, como o câncer e o mal de Alzheimer.
Experiência de Paul Ehrlich:
Trata-se de uma experiência realizada, no final do século
XIX, cuja base se deu no aplicamento de corantes no organismo de camundongos.
Paul, a partir desse experimento, acabou descobrindo a cura da
sífilis e lhe rendeu o Prêmio Nobel de Medicina. Entretanto, ele encontrou um enigma
que ainda persiste. Quando o mesmo
injetou corante na corrente sanguínea de camundongos, que passou por todos os órgãos
do roedor, exceto o cérebro. Todo o organismo tornou-se púrpuro-azulado escuro
(evidente por microscópio), mas o cérebro permaneceu branco-amarelado pálido.
Quando um dos alunos de Ehrlich injetou corante diretamente
no cérebro, apenas o órgão tornou-se azul e os outros órgãos permaneciam
normais. Concluiu-se então que devia existir uma barreira entre o cérebro e o
sangue, Blut-Hirn-Schranke, em alemão.
Encontro com a barreira:
Foram necessários para encontrar a barreira oculta um meio século e um microscópio cinco mil vezes mais
potente. As paredes dos
vasos sanguíneos são revestidas por células endoteliais; é certo que elas forram
o interior de toda vasculatura do organismo, porém são muito mais compactas nos
vasos cerebrais que em outras partes do corpo, o que explica porque nem os
corantes de Ehrlich, nem a maioria dos medicamentos disponíveis, conseguiram atingir o cérebro a partir da corrente sanguínea.
Qual a função da barreira hematoencefálica?
Agora se sabe que as células dos dois lados: do sangue e do
cérebro estão, constantemente, comunicando-se e se influenciam mutuamente.
Várias passagens moleculares incorporadas na membrana endotelial regulam o
tráfego, bloqueando algumas substâncias enquanto controlam outras.
Cientistas adotaram o termo “unidade neurovascular” para
descrever melhor o que se vê: um órgão vital, que consiste em vários tipos de
células diferentes, inclusive as que rodeiam os vasos e desempenham seu papel
crucial no desenvolvimento, envelhecimento e doença.
Novos descobrimentos da barreira:
A cientista Maiken Nedergaard está estudando essa “parede”
entre o cérebro e o resto do organismo. Com a visão por meio de “dois fótons” no
microscópio dela, é infinitamente mais fascinante que até mesmo Ehrlich poderia
ter imaginado. Com a obtenção de maior conhecimento sobre essa barreira,
neurocientistas já planejam controlar a mesma para que se consiga transportar
células para o cérebro e bloqueá-lo para agentes estranhos.
As células endoteliais são revestidas de pericito e
astrócito, células que podem facilitar a comunicação e são cercados de micróglias,
células que ajudam a reparar danos.
Quando a barreira é danificada, os micróglias rapidamente
fecham a barreira e restaura as células endoteliais – funcionam como uma equipe
de emergência, são a primeira linha de defesa. Quando essa célula não funciona
direito, ocorre a neurodegeneração. Com
a compreensão dessas funções, os cientistas estão tratando a esclerose múltipla
(EM) como uma doença na barreira hematoencefálica, o que antes era considerado
uma doença do sistema imune.
Com testes em camundongos, foi possível bloquear e expulsar
proteínas que estão associadas com o mal de Alzheimer, porém os testes em seres
humanos está longe de acontecer.
Métodos de atravessar a “muralha”:
•Soluções hiperosmóticas
Algumas soluções conseguem sugar a umidade de tecidos
circundantes, como exemplo o manitol. Quando os médicos injetam essa solução
numa artéria que chega até o cérebro, ela absorve a água das células
endoteliais, deixando-as murchar. Então, as zônulas de oclusão se abrem,
deixando que as drogas passem.
Esse método foi utilizado pelo médico Edward A. Neuwelt,
neurocirurgião e diretor do Programa de Barreira hematoencefálica, em uma
paciente, Joanie Latterty, que sofria linfoma (câncer que começa no sistema
linfático e se espalha para o cérebro); dando possíveis mais 13-14 anos de vida
a paciente que havia de morrer um mês previsto.
•Microcateterismo
Médicos introduzem um minúsculo cateter nos vasos sanguíneos
para o cérebro e usam manitol para abrir uma pequena parte da barreira próxima
ao local que desejam tratar. Depois injetam drogas através do mesmo cateter.
Esse método já é usado para administrar agentes anticoagulantes
após um AVC.
•Microbolhas
Injeta-se no paciente uma solução de soro contendo bolhas
gasosas microscópicas. Assim que atingem o cérebro, um feixe de ultrassom
focalizado faz vibrá-las em um local
específico, provocando a abertura da barreira hematoencefálica e permitindo a
passagem de drogas.
•”Cavalo de Tróia”
Método, nomeado por cientistas, que sugere uma droga
atrelada a outra, como um vagão, ao fim de um composto que desliza naturalmente
através da barreira.
Fonte: revista Scientific American Brasil – edição de julho
de 2013
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